quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Censura Literária em Macaé

Foi publicado hoje no Jornal Estadão que um juiz do Estado do Rio de Janeiro, mandou recolher de uma livraria em Macaé todos os livros de conteúdo erótico, visando principalmente os livros da autora norte-americana E.L. James da trilogia '50 Tons de Cinza', com a alegação que pornográfia deve ser vendida lacrada. (Tanto não é pornografia que já há a confirmação que o primeiro livro, Fifty Shades of Grey, ganhará uma adaptação para o cinema.)


A ordem de serviço do juiz Raphael Baddini de Queiroz Campos, assinada dia 11, apoia-se no artigo 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990. "O ECA determina a forma de comercialização desse material, que deve ser lacrado", comenta o juiz. Ele não espera que sua iniciativa de fiscalização seja tomada como exemplo. "Não temos intenções outras quando cumprimos a lei. Estamos protegendo as crianças e adolescentes de Macaé." Obras com conteúdo pornográficos sempre foram vendidas, mas ficavam em seções especiais. Agora, com o fenômeno da trilogia '50 Tons de Cinza', de E. L. James, citada pelo juiz no documento, esses livros são folheados na entrada das livrarias do mundo todo. (Trecho retirado da matéria "Juiz manda recolher livros eróticos no RJ ", do Jornal Estadão)

Para ser cumprida a lei, como o documento assinado pelo juiz exige, todos os livros com conteúdo erótico, terão que ser lacrados, como as revistas pornos de banca de jornal e ter sua exposição limitada a um local dentro da loja com difícil acesso para os menores.


Se todo livro que tiver conteúdo erótico for generalizado como pornografia, significa que tudo que conter qualquer tipo de menção ao erotismo passa a ser conteúdo pornográfico. Então a lista de livros que deverão ser lacrados para venda, inclui também as capas de livros, assim como revistas, que possuam qualquer tipo de conteúdo erótico, expostos dentro da livraria alvo da ordem de serviço assinada pelo juiz. Porque ao serem relacionadas a publicações pornográficas, além de lacradas deverão ser comercializadas com suas capas cobertas, para se adequar as regras de publicações pornográficas vendidas em bancas de jornal.


Caso todas as publicações com erotismo sejam atestadas de pornografia, de acordo com a afirmação do juiz, como ocorre com as revistas pornográficas é de responsabilidade das editoras, lacrar e cobrir qualquer imagem erótica.

O problema nessa ordem de serviço é que como cidadão brasileiro, todos devem cumprir a lei, independente de opiniões pessoais e filosofia de vida. Porém quem representa a justiça do povo, para o povo, também deve cumpri-la imparcialmente. A responsabilidade de alguém com o cargo de juiz é dobrada, pois além de ser um cidadão, é a lei e como tal não pode de forma alguma prejudicar outros, no caso, o dono da livraria alvo da apreensão, baseado em um ponto de vista pessoal.

Se a pessoa do juiz acha que tudo que possui conteúdo erótico é o mesmo que pornografia, isso é uma opinião dele. Como autoridade o juiz, precisa ter conhecimento quanto as causas que defende e não expressar opiniões pessoais. Porque no caso, se a opinião do juiz for aceita, expressa no documento oficial, até revistas com imagem de conteúdo erótico que a livraria possuir, também terão que ser recolhidas e lacradas como exige a lei relacionada as publicação pornográfica.


Se a questão é o cumprimento da lei e tirar do alcance das crianças e adolescentes de Macaé todo o material impróprio para menores, generalizando todo o conteúdo erótico como pornografia, como afirma o juiz, não são só os livros da autora norte-americana que deverão deixar a estante da livraria Nobel, alvo da ordem de serviço em questão, e retornar as editoras para serem devidamente lacrados. Boa parte dos livros da literatura mundial, incluindo vários da literatura nacional brasileira, terão que ser confiscados.

No Brasil, há uma grande dificuldade em manter as livrarias abertas, por ainda não sermos um povo com hábito da leitura. Mesmo com vários projetos de incentivo, é pequeno o número de leitores. Imagine se virar moda a censura literatária feita em caráter pessoal por juízes de cidades brasileiros. Teremos livrarias fechando em massa, sem contar os prejuízos para as editoras e o retrocesso a época da Censura na Ditadura Militar.


O cenário que uma atitude isolada de um juiz, ao impor uma opinião pessoal, é preocupante. Por que a lei foi usada para punir um único comerciante, morador de Macaé, que foi discriminado e tratado feito um criminoso por vender livros que estão em estantes de outras livrarias Nobel do Brasil, sem ser alvo de tal tipo de discriminação.

Trata-se de uma atitude isolada que preocupa, pois poderá gerar uma "caça às bruxas" no futuro. Imaginando que outros sigam o exemplo, assinando ordens de serviço para impor suas próprias opiniões, muitas editoras provavelmente vão cancelar publicações nacionais e estrangeiras com qualquer tipo de conteúdo erótico, para evitar prejuízos. As que insistirem em manter as publicações eróticas, provavelmente deixarão de pagar capistas, já que será mais lucrativos publicar os livros com uma capa preta. Enquanto donos de livrarias pelo Brasil serão expostos a situação lamentável como o proprietário da Livraria Nobel de Macaé, Carlos Eduardo do Coelho, tratado como alguém que não cumpre as leis; ao receber dois policiais e comissários da Segunda Vara de Família, da Infância, da Juventude e do Idoso do município, com ordem de recolher todos os livros de conteúdo impróprio para menores de 18 anos, que não estivessem lacrados dentro de sua livraria.


"Foi um constrangimento horroroso. Em momento algum houve um interesse em nos orientar", disse o proprietário Carlos Eduardo Coelho. (Trecho retirado da matéria "Juiz manda recolher livros eróticos no RJ", do Jornal Estadão)

No entanto, se a ordem para recolher todos os livros da livraria Nobel de Macaé, ao invés de "conteúdo erótico" se refira a "conteúdo impróprio para menores de 18 anos", isso significa que não é apenas os livros com conteúdo erótico que devem ser lacrados. O conteúdo impróprio para menores, faz parte da literatura voltada para o público adulto, logo inclui outros assuntos além do sexo, como a violência. Então temos uma ordem de serviço que obriga que todos os livros escritos com foco no público adulto, sejam retirados das estantes da livraria em questão até serem devidamente lacrados e colocados em uma área longe do alcance dos jovem, para serem comercializados.


Texto: Anny Lucard


Fonte:
www.estadao.com.br

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